Manuel Alegre
"O Zeca Afonso nunca pertenceu a nenhum partido político, foi sempre um homem livre, independente. Era de esquerda, foi preso, censurado e depois é que se empenhou totalmente na luta política. Entretanto, também fui à guerra em Angola, voltei e foi nessa altura que se deu a grande volta, que apareceram as canções contestatárias. Em 1962 há a grande crise estudantil.
E em 1963, lembro-me de termos apresentado a ‘A Trova do Vento que Passa’ numa cerimónia aos caloiros na faculdade de Medicina, em Lisboa. E viemos todos. Eu estava com residência fixa em Coimbra, para onde tinha sido enviado depois de ter sido preso. Mas viemos mesmo assim. Cantou o Adriano, cantou o Zeca e foi toda a gente a cantar para a rua. E é a partir daí que surge o seu grande momento.
Ele é o grande pilar e grande obreiro da transformação da música ligeira portuguesa, pela toada musical, pelos poemas que fazia, que tinham alguma coisa a ver com magia, com canções medievais, histórias de bruxas... Aquilo foi evoluindo, esteve em Moçambique, apanhou aquela toada africana e fez uma revolução na música portuguesa.
O Zeca Afonso era completamente desprendido. Não tinha sentido prático, não tinha ambição, nem apego pelos bens. Lembro-me, quando ele já estava doente, de eu e a minha mulher irmos levá-lo a casa e esta estava cheia de gente. Ele para se isolar ia para a casa-de-banho. E até o alertei: ‘tens de ter direito à tua casa’. Mas ele, pouco concentrado, não ligava. Era de uma grande generosidade, capaz de dar tudo se visse alguém com necessidade."
Daqui:
http://www.cmjornal.xl.pt/domingo/detalhe/o-poeta-da-musica-morreu-ha-25-anos.htmlNa foto: Rui Pato, Zeca Afonso, Adriano, António Portugal e Manuel Alegre.
(estreia da 'Trova do Vento que Passa' na cantina do Hospital de Stª Maria)