"Após o 25 de Abril julguei que a única coisa que tinha de fazer era contribuir para o processo geral. Agora, dou por mim a contabilizar as minhas actuações. E divido a minha actividade em duas partes: vou lá fora arranjar dinheiro, para o chamado pé-de-meia familiar e cá dentro pago a minha dívida política e cultural para fins que considero correctos e a pessoas ou organizações para que vale a pena fazê-lo. E como poucas vezes canto por gosto - prefiro estudar, agradar-me-ia tirar outro curso, às vezes até me passa pela cabeça que gostaria de mudar de personalidade, como as personagens de Pirandello, preciso de muitos, muitos estímulos para cantar, tocar e fazer coisas novas.
Por outro lado também existe uma certa decepção ou, se não decepção, desvalorização da actividade cantante. (...) , o que faço é ler, praticar actividades físicas e ensinar os meus filhos, mas gostaria de ensinar os filhos dos outros"
In Se7e, 22 de abril de 1980, entrevista a José Carlos de Vasconcelos.
Quando é que se deu o primeiro contacto com a música do Zeca Afonso?
"Já foi em Paris. O Adriano conheci-o pessoalmente aí, mas não tinha nenhum disco dele. E foi por essa altura que ouvi o primeiro disco do Zeca Afonso, acompanhado na viola por uma pessoa também muito importante, com um excelente trabalho, o Rui Pato?. Foi aí que conheci os primeiros discos do Zeca Afonso, que eram uma maravilha, de um talento enorme."
E quando é que conheceu pessoalmente o Zeca Afonso?
Foi em Paris, porque eu não podia vir a Portugal. Conheci-o quando o Zeca foi lá cantar pela primeira vez. Já não me recordo da data precisa, mas ainda foi nos anos 60, numa espécie de foyer de estudantes no Bairro Saint-Michel, que era dirigido pelo Ayala, um exilado que vivia lá há muitos anos. A partir daí ficámos amigos. Ele e a Zélia chegaram a ficar em nossa casa numa altura em que não estávamos em Paris. Comecei, portanto, a ter uma relação mais intensa com o Zeca, também com o Paco Ibáñez que conheceu o Zeca nessa época através de mim."
"E aqui quero fazer uma referência especial porque quando falamos de cantores militantes não podemos esquecer o Benedicto, natural de Santiago de Compostela, galego, que fez comigo mais de cinquenta sessões, algumas delas com José Jorge Letria e outros.
Como é óbvio, a maior parte de tais sessões foi clandestina e na fase final do fascismo quando o movimento sindical começou a estruturar, gerando mais tarde a Intersindical, fomos convidados frequentemente para actuar nos caixeiros, depois nos bancários (também convidaram o Fanhais)."
fonte: José Afonso - Andarilho nas Astúrias de Mário Correia?
fotos: Zeca em Santiago de Compostela com Fanhais, JJLetria e Benedicto
"Íamos, os dois, em pé, no eléctrico para a Praça da República e ele, no seu jeito irreverente, disse, em voz alta, uma graçola qualquer sobre Salazar - talvez: "Diz-se que o António tem um cancro; coitadinho do cancro!". Houve uns quantos sorrisos discretos...
Quando descemos do eléctrico, o Zeca foi abordado por um sujeito desconhecido que lhe mostrou "qualquer coisa", que trazia escondida sob o virado do casaco. "Que raio de merda é essa?", foi a reacção descontraída do Zeca. O homem agarrou-o por um braço, e mostrou-lha melhor - era um crachá da PIDE!
O Zeca ficou entupido e o homem disse-lhe: "Tenha juizinho e não volte a dizer aquelas baboseiras!"
fonte: "Zeca Afonso antes do mito" de António dos Santos e Silva
foto: Zeca com o irmão João, António dos Santos e Silva deitado no capô e o primo Tó, filho da tia Avrilete, atrás à dtª.