Foi assim, que o vi pela primeira vez…era assim que ele era em 1962…ele com 33 eu com 16 anos e assim nos encontrámos para sete anos de cumplicidade “em tempos de escuridão”. Ninguém o conhecia a não ser os amigos de Coimbra; ninguém , em qualquer parte, sabia quem ele era… Ninguém, nesta altura, se interessava pelo seu pensamento, pela sua música, pelos seus poemas…não era herói, longe ainda do “mito”. Tinha imensas contradições, tinha medo, gozava com os mitos, com “os monstros sagrados”, como ele dizia ; era, apenas, um artista, poeta, músico, um homem muito bom, um homem de esquerda, vulgar, um pouco bizarro, utópico,por vezes ingénuo,… muito incompreendido, sem ter quem o apoiasse; de 62 a 67…quase no limiar da miséria; Havia quem tivesse medo de nos ir ouvir…ele era "perigoso"… O resto da história dele, vocês sabem; este bocado é que, por certo, já não se lembram…
ERA O ZECA...é hoje o aniversário da sua morte.
Rui Pato
Foto de Rocha Pato pai do Rui.
Esta foto foi capa da 2ª edição do livro "Cantares de José Afonso"
Quando o Zeca ainda tinha a memória conservada, não necessitava de ler as letras das canções enquanto cantava. Bastava-lhe ter o primeiro verso de cada quadra...
Aqui, vai uma dessas "cábulas" , escrita pelo punho dele, de um espectáculo em meados dos anos 60, que encontrei hoje aqui pelo sótão.
O poeta que refere Zeca é Jorge de Lima, poeta brasileiro.
Jorge de Lima
"Um monstro flui nesse poema feito de úmido sal-gema.
A abóbada estreita mana a loucura cotidiana.
Pra me salvar da loucura como sal-gema. Eis a cura.
O ar imenso amadurece, a água nasce, a pedra cresce.
Mas desde quando esse rio corre no leito vazio?
Vede que arrasta cabeças, frontes sumidas, espessas.
E são minhas as medusas, cabeças de estranhas musas.
Mas nem tristeza e alegria cindem a noite, do dia.
Se vós não tendes sal-gema, não entreis nesse poema."
Neste poema, Zeca refere também o naufrágio de Sepúlveda. A Dona Dor tem a ver com o que aconteceu à sua esposa, Dona Lianor de Sá que, juntamente com os filhos morreram, na marcha para Moçambique.
A 3 de Fevereiro de 1552, com a mulher e os filhos, largou de Cochim, na Índia, rumo a Lisboa, como capitão do galeão grande São João. O galeão vinha carregado com 7500 quintais de pimenta, e transportava mais de quinhentas pessoas. A 13 de Abril, à vista do Cabo da Boa Esperança, a nave foi acometida por fortes tempestades, acabando por naufragar a 8 de Junho, nas costas do Natal. Os cerca de 380 sobreviventes iniciaram, um mês mais tarde, uma longa marcha rumo a Moçambique. A fome, as doenças, os ataques dos Cafres e dos animais selvagens foram lentamente diminuindo o seu número. Quando atravessaram o rio de Lourenço Marques, nos fins de Dezembro, os sobreviventes eram apenas cerca de 120; e um filho de 10 anos de Manuel de Sousa de Sepúlveda tinha já morrido. Nesta região foram os sobreviventes portugueses maltratados pelos Cafres, vindo a mulher do capitão e os seus filhos pequenos a morrer em Janeiro de 1553, em circunstâncias dramáticas. Manuel de Sousa de Sepúlveda, depois de os enterrar, internou-se no mato para nunca mais ser visto.
O relato deste infortúnio foi redigido por um autor desconhecido, talvez baseado em informações de Álvaro Fernandes, guardião do galeão, e foi impresso pela primeira vez logo cerca de 1554. Camões, no Canto V de Os Lusíadas, faz o Adamastor profetizar a tragédia:
"Outro também virá de honrada fama, Liberal, cavaleiro, enamorado, E consigo trará a formosa dama Que Amor por grã mercê lhe terá dado.
Triste ventura e negro fado os chama Neste terreno meu, que duro e irado Os deixará dum cru naufrágio vivos Para verem trabalhos excessivos.
Verão morrer com fome os filhos caros, Em tanto amor gerados e nascidos; Verão os Cafres ásperos e avaros Tirar à linda dama seus vestidos..."
Também o poeta Jerónimo Corte-Real escreveu um poema épico sobre este famoso episódio, intitulado Naufrágio e lastimoso sucesso de Manuel de Sousa Sepúlveda e Dona Leonor de Sá, sua mulher e filhos, impresso postumamente em 1594.
"... Faço música como quem faz um par de sapatos, isto é, tento alinhar sons e torná-los coerentes entre si, como quem faz um utensílio. E o mundo social da música não me seduz grandemente, como não me seduzem os palcos e todo esse tipo de estruturas sobre que assenta a canção. (...) Actualmente, falarem-me de música ou de óleo de rícino é rigorosamente a mesma coisa. Se eu tivesse meios dedicava-me a outra coisa, a uma actividade mais solitária, sei lá... Gostava de voltar a estudar Filosofia, como nos velhos tempos. Estudei mal, mas enfim..."