«Curioso é que nós passamos 40 ou 50 anos de uma vida a fazer determinadas coisas e um dia mais ou menos de repente, sem que renunciemos a nada do que fizemos, apercebemo-nos de que tudo deveria ter sido diferente. É apenas uma vaga sensação que se instala, sem que saibamos defini-la muito bem. No fundo sou muito mais contraditório e supersticioso do que quis admitir ao longo dos anos.»
«... de facto, os jovens por vezes não se destacam do sistema. Limitam-se a constatar que não há saídas. Essa atitude tem de ser modificada e são eles que a têm de modificar. Se for preciso partir a loiça, escavacar tudo isto, acabar com a burocracia para criar uma sociedade diferente, eles que o façam. Partam mesmo a loiça. Mas são eles que o têm de fazer. Não são os homens da minha geração. Os homens e as mulheres. Aliás, sem as mulheres não se pode fazer nada. Pressinto que, de facto, as mulheres vão ter um papel muito importante na futura sociedade, contanto que não tentem imitar os homens no que eles têm de mau...»
A tinta com que se escreve a dor de um povo não existe na paleta dos dias perfeitos. É uma tinta que casa o azul do mar com a palidez de cal das tardes sem esperança, o verde, o ocre e a cinza com o metal do grito que a garganta magoadamente abafa. E quando os filhos perguntam “amanhã como será?”, que ninguém retome o fio da história na enseada de assombros em que tantos sonhos naufragaram. Condenaram-nos a responder pelo número que somos, tornados estatística de uma raiva adormecida, cifra negra que nos resume e derrota. Até quando?
Então e as viagens heróicas, as naus afundadas, as sinuosas rotas de luz, os astrolábios do espanto e tudo o mais que se perdeu no esquecimento dos mapas? São perigosos os poetas na hora do incêndio da memória com o fogo das palavras que não se rendem nem se vendem. Agora somos a conta que ficou por pagar, colectiva e brutal, a miséria sussurrada na aflição das noites, a dormência dos dedos quando chega a hora de escrever coragem na página de todos os temores.
Mas há uma pátria que se revolta dentro de nós quando a música interrompe o sono das casas e proclama que tudo é legítimo menos a resignação.
Em 2006 na biblioteca de Saramago em Tías -Lanzarote, Saramago, Pilar del Río, Luís Pastor, João Afonso, Fernando Tordo e outros, cantam Grândola Vila Morena.
Gravado no Pye Studios, de 30 Novembro a 8 Dezembro 1974. Saiu no Natal.
"No final do ano de 1974, "Coro dos Tribunais" marcava o regresso de Zeca a Londres.
Tradicionalmente um mercado muito protector dos seus músicos de estúdio, os sindicatos ingleses controlavam minuciosamente as fichas técnicas apresentadas para as gravações, impondo as suas próprias listagens de músicos profissionais disponíveis para cada um dos instrumentos. Acontece que Coro dos Tribunais teria uma das instrumentações mais simples da discografia de Zeca Afonso, cuja universalidade (violas, percussões, teclados) punha claramente em xeque a participação dos portugueses. “Não queriam deixar o Vitorino tocar piano porque havia pianistas em Inglaterra”, lembra Carlos Alberto Moniz. “Depois houve alguém, o Zeca ou o José Niza, que terá dito ao sindicato que era uma canção que só o Vitorino é que sabia tocar. Mas a música são só umas três notas...”.
Desconfiados, os ingleses chegam a pedir: “Nesse caso, escrevam a música”. Mas o lado português, “argumentos esfarrapados”, sorri Moniz, desculpa-se com a sua impreparação técnica para fixar a música em pauta. Perante a insistência na utilização de guitarristas, pianistas e percussionistas locais, Fausto faz uso de uma eficaz manobra de diversão, argumentando que se tratava maioritariamente de “instrumentos típicos portugueses que mais ninguém tocava”. “Os instrumentos eram de tal maneira tradicionais que eu tenho lá um solo de [órgão] moog”, ri-se Vitorino. “Era tudo construído in loco, mas atenção que tínhamos uma prática muito grande disso”. “Por vontade dos ingleses”, conclui Moniz, “ninguém de nós tinha tocado”.
Viriato Teles
Na ficha técnica uma curiosidade Gases e Flatulências – Adriano*, Moniz*, Fausto*, Zeca*
Foto: Zeca, Fausto, Vitorino, Delaporte e Carlos Moniz.
A 3 de Novembro desse ano (1974), Zeca, Fausto e Carlos Alberto Moniz atuaram em Londres, na "Liga do Ensino e da Cultura Portuguesa"