Sexta-feira, 12 de Junho de 2015
Manuel Alegre
"O Zeca Afonso nunca pertenceu a nenhum partido político, foi sempre um homem livre, independente. Era de esquerda, foi preso, censurado e depois é que se empenhou totalmente na luta política. Entretanto, também fui à guerra em Angola, voltei e foi nessa altura que se deu a grande volta, que apareceram as canções contestatárias. Em 1962 há a grande crise estudantil.
E em 1963, lembro-me de termos apresentado a ‘A Trova do Vento que Passa’ numa cerimónia aos caloiros na faculdade de Medicina, em Lisboa. E viemos todos. Eu estava com residência fixa em Coimbra, para onde tinha sido enviado depois de ter sido preso. Mas viemos mesmo assim. Cantou o Adriano, cantou o Zeca e foi toda a gente a cantar para a rua. E é a partir daí que surge o seu grande momento.
Ele é o grande pilar e grande obreiro da transformação da música ligeira portuguesa, pela toada musical, pelos poemas que fazia, que tinham alguma coisa a ver com magia, com canções medievais, histórias de bruxas... Aquilo foi evoluindo, esteve em Moçambique, apanhou aquela toada africana e fez uma revolução na música portuguesa.
O Zeca Afonso era completamente desprendido. Não tinha sentido prático, não tinha ambição, nem apego pelos bens. Lembro-me, quando ele já estava doente, de eu e a minha mulher irmos levá-lo a casa e esta estava cheia de gente. Ele para se isolar ia para a casa-de-banho. E até o alertei: ‘tens de ter direito à tua casa’. Mas ele, pouco concentrado, não ligava. Era de uma grande generosidade, capaz de dar tudo se visse alguém com necessidade."
Daqui:
http://www.cmjornal.xl.pt/domingo/detalhe/o-poeta-da-musica-morreu-ha-25-anos.htmlNa foto: Rui Pato, Zeca Afonso, Adriano, António Portugal e Manuel Alegre.
(estreia da 'Trova do Vento que Passa' na cantina do Hospital de Stª Maria)
Portugal Solidaritat (Alemanha) AK 0005 | 1976 | LP-33 rpm (Gravado ao vivo)
LP não editado em Portugal, gravado em 23 de janeiro de 1976 durante um espectáculo realizado em Hamburgo com Francisco Fanhais e José Luís.
Apesar das muito deficientes condições de gravação, é um documento importante que, entre outras coisas, ajuda a compreender a forma como Zeca sempre encarou a sua actividade, dando-lhe acima de tudo um sentido político e social.
Vale, também, por alguns excertos quase antológicos, como seja a quadra popular «Ó meu Portugal tão lindo / Ó meu Portugal tão belo / Metade é Jorge de Brito / metade é Jorge de Melo» (Jorge de Brito e Jorge de MeIo eram tidos, juntamente com António Champalimaud, como os donos dos maiores grupos económicos portugueses até ao 25 de Abril.) ou o aparte em que Zeca pergunta a Fanhais se deve ou não cantar uma determinada estrofe: «Vai a das caralhadas?» (Trata-se de uma quadra popular galega que diz assim: "Viva Lugo, viva Vigo / A Coruña e Pontevedra / Que se vá para o caralho / O cabrão da nossa terra". O cabrão em referência era o ditador fascista Francisco Franco, natural do Ferrol.) A resposta, deduz-se de seguida, foi com certeza afirmativa..
Daqui:
http://bandeira-vermelha.blogs.sapo.pt/13780.html
Terça-feira, 9 de Junho de 2015
A 10 de maio de 1972 Zeca Afonso cantou pela 1ª vez "Grândola Vila Morena" num concerto celebrado no Burgo das Nacións de Compostela, ao qual assistiram centenas de pessoas, a maior parte estudantes.
O cartaz a anunciar a presença do Zeca, o momento da atuação e a gravação do recital (incluiu gravações de temas cantados em casa de Benedicto)
Zeca era chamado pela extrema-esquerda, de a «Amália do PCP» (embora nunca tivesse sido militante deste partido) mas Zeca não gostava da Amália... Rodrigues.
«Estavam os três chateados (Vitorino, Zé Deto e Zeca) com o artigo de Cáceres Monteiro sobre o António Barreto. (...) o Zeca, com ironia, já tinha apelidado O Se7e de «Semamário» (...) O José Carlos Vasconcelos veio convidá-lo para cantar na festa d'O Se7e... que ia lá a Amália e cantava também ele. O Zeca na sua: «Cantar com a Amália? Eu quero que tu metas (...) o teu semamário...» Não foi cantar mas, em abono de verdade a Amália, também não.
In Zeca Afonso "Livra-te do Medo" - José A. SalvadorEugénio AlvesO único encontro entre o Zeca e Amália.
1984 - já Zeca se encontrava afetado pela doença.
«(...) a Amália era considerada uma cantora do regime e o Zeca o homem da oposição. Muita coisa os separava, mas no Clube dos Jornalistas, numa festa de lançamento eu tive a ideia de juntar os dois grandes intérpretes da música portuguesa. Eu fiquei encarregado de convencer o Zeca, o que não foi fácil. Só lhe disse no próprio dia e apenas lhe falei que havia uma festa. Ele ripostou que estava sem gravata mas eu retorqui que ele não era homem de gravata e lá acabei por levá-lo, mas ele ia um pouco zangado comigo. Eu era anfitrião e membro da direcção e lá lhe expliquei que não era obrigado a falar com ela. (...) A Amália chegou depois e quando soube que o Zeca estava lá, ela é que tomou a iniciativa de falar com ele. Eu estava com receio da reacção dele. A cena foi assim: a Amália aproximou-se muito comovida, pelo facto de ele estar doente, e ao mesmo tempo receosa e perguntou-lhe: 'Zeca, acha que eu canto bem?', ao que ele respondeu: 'Então se a senhora não canta bem, quem é que canta bem em Portugal?'
Ela chorou comovida.»
in "Cantores de Abril" de Eduardo M. RaposoA foto é desse encontro.
Amália canta "Natal dos Simples" de Zeca Afonso.
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“No dia 29 de Janeiro de 1983, já vão 26 anos, à hora a que publico este texto, o Zeca estava nos bastidores do Coliseu dos Recreios de Lisboa, preparando-se para entrar em palco e dar o seu derradeiro concerto.
O “meu” Zeca particular e intransmissível é outro. Está vivo, nunca está doente (excepção feita a umas sinusites teimosas), pratica judo, canta como ninguém, faz-me acreditar que em 1973 já estávamos a um passo da liberdade, ilumina os meus vinte e um anos, faz cantigas que ficaram na História, à minha frente e com a minha modesta “ajuda” técnica, faz-me gravar o meu primeiro disco e leva-me para cantar com ele em locais incríveis e proibidos…
Como sou uma perfeita negação na arte do culto da imagem e uma desgraça na gestão de “carreira”, até há bem pouco tempo nem sequer uma fotografia tinha em que estivesse com ele.
Um amigo, em boa hora, resolveu oferecer-me esta grande imagem, recordação de um “Canto Livre” realizado num quartel da região de Lisboa, em 1975, com Zeca Afonso, Vitorino e um estreante (eu mesmo, o guedelhudo da ponta esquerda). O amigo em causa, era militar nesse quartel e foi um dos que se “arvorou” em cantor e foi connosco para cima do estrado, cantar a Grândola.
Todos achávamos que o mundo e a vida estavam apenas a começar, que a reacção não passaria, que a noite não voltaria às nossas ruas e que iríamos ter o Zeca a cantar connosco para sempre…
Pelo menos nesta parte do Zeca, acertámos!”
Texto escrito por Samuel Cantigueiro em 2009.