Quarta-feira, 27 de Maio de 2015
"Epígrafe para a arte de furtar"
José A. Salvador quando este lhe perguntou se lia muita literatura portuguesa.
Zeca Afonso:
"Li sempre bastante, instigado por amigos meus, tipo o Gonzalez, o Eduardo Valente da Fonseca. O Luís Andrade (Pignatelli) que fanava uns livros, eu também fanava, atenção. (...)
Às vezes surripiávamos uns livritos, ele por uma banda, eu por outra, mas creio que o tipo me bateu aos pontos.
Frequentava algumas livrarias; palmei uns livros de filosofia. Tinham-me dito que aquela livraria, a Coimbra Editora era do Salazar, do Presidente da Assembleia Nacional e do próprio Cerejeira. Com tais proprietários foram-se-me desaparecendo os últimos escrúpulos."
In "Livra-te do Medo" de José A. SalvadorFoto: Luís Andrade e Zeca Afonso
«Foi na cidade do Sado», faz parte do album «República» (2ª edição). O disco nunca seria editado em Portugal e Zeca Afonso não voltaria a utilizá-la ao longo da sua carreira, a não ser como lado B do single «Viva o Poder Popular», uma edição da Luar de 1975.
«Foi na cidade do Sado» descreve os incidentes ocorridos em Setúbal a 7 de Março de 1975, durante um comício do PPD, e dos quais resultaram um morto. «E o PPD era a CIA», diz a certa altura.
O single e panfletos de simpatizantes da LUAR de Setúbal - Abril de 1975
"O "movimento" estava criado. A Zeca, Adriano e Cília outros cantores se juntam, tendo, como ponto comum, uma certa simplicidade musical e um mais ou menos camuflado vanguardismo dos textos -mensagens que veiculavam. Multiplicam-se sessões de canto por todo o país, quase sempre realizadas mais ou menos clandestinamente e muitas vezes terminando antes do tempo, devido às intervenções súbitas da polícia política, a tenebrosa Pide.
Outras vezes, eram os "imprevistos" causados pelos "defensores da ordem" que obrigavam a soluções de ocasião, como aconteceu um dia, na Faculdade de Ciências de Lisboa, quando Zeca Afonso se viu obrigado a cantar às escuras e sem microfone, porque a instalação eléctrica fora sabotada por dois pides disfarçados de... electricistas!"
Do livro de Viriato Teles "As Voltas de um Andarilho" edição 1999.
Quarta-feira, 20 de Maio de 2015
As campanhas de Trás-os-Montes decorreram em Maio/Junho de 75 (...) Partimos no meu carro, eu, o Fanhais e o Zeca e ficámos em Bragança integrados nas campanhas de dinamização cultural. Era a operação Maio-Nordeste, creio. Assisti à penetração do MFA no maior feudo do reaccionarismo.(...)
Recordo particularmente as minas da Ribeira, sobre as quais vim mais tarde a fazer um filme, situadas entre Coelhoso e Parada. Tratava-se de umas minas, uma coisa sinistra, o mais miserável que algum dia vi, onde se vivia e trabalhava em condições infra-humanas. Os patrões tinham deixado “cair” as minas e os mineiros estavam ali sem saber o que fazer. Os mineiros reivindicavam o trivial: exames médicos que não eram feitos há anos e reforma. Registavam-se casos de silicose em barda. Chegámos ao fim da tarde, e foi o primeiro sítio em Portugal onde verifiquei que o Zeca Afonso não foi reconhecido. (...)
Quando nos vínhamos embora, já noite, um mineiro jovem contou-nos a intervenção da PIDE ali. Esse jovem dispôs-se a levar-nos a uma aldeia onde nos contaram a história da perseguição a um mineiro feita directamente pela PIDE e pelo capataz a pedido do patrão. Eu e o Fanhais “obrigámos” o Zeca a fazer uma canção sobre o acontecimento.
Como de costume ele protestou dizendo que “não era capaz de a fazer para o dia seguinte”. – Fechámo-lo no quarto e na manhã seguinte tinha feito “Em Terras de Trás-os-Montes”, canção que integrou o seu álbum “Com as Minhas Tamanquinhas.(...)
No dia seguinte voltámos a reunir com essas pessoas, que acabaram por identificar o Zeca quando ele cantou a Grândola, o Fanhais também cantou, mas a reacção inimaginável foi quando o Zeca cantou perante eles a canção que tinha acabado de fazer sobre a história das minas da Ribeira e sobre a actuação pidesca contra um dos mineiros.
Daqui:
http://gritaliberdade.blogspot.pt/2011/07/zeca-afonso-em-terras-de-tras-os-montes.html